segunda-feira, 1 de março de 2010


No limiar do tempo te observo
Na esperança de surpreender
Um segundo do teu olhar
Esperando que, por acaso,
Não mais que por acaso
A curva de um sorriso
Se desenhe no teu rosto
E fico a observar, expectante
O felino traço em que te moves
Na brevíssima fragrância
Com que perfumas o vazio que ocupaste
Esperando que te voltes, reconheças
Apenas um ponto no meu espaço, no meu ser
Não por deliberado interesse, por vontade
Porque não o espero, não preciso
Preciso apenas ver-te, sentir-te
Saber que existes e me olhas
Preciso de ser feliz por existires

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Agora que passou o tempo,
Agora que os vergões do ciúme se curam,
Agora penso porque o fizeste,
Porque tiveste medo de dizer sim,
Porque não te entregaste
Por uma hora, por um minuto;
Porque deixaste o tempo passar
E não o fizeste nosso;
Porque não deixaste que fizéssemos planos em vão;
Porque não deixaste que ficássemos assim, arrebatados
Por uma paixão sem tempo nem espaço;
Porque não quiseste deixar a ilusão
Tomar as rédeas deste destino;
Sabia então, desconfiava,
Que esse tempo se perdia.
E pedia-te, uma e outra vez,
Que no-lo desses,
Que te deixasses amar.
Em vão!

domingo, 4 de outubro de 2009



Não sabia,
Soube então,
Que o vento não se faz prisioneiro
Que a luz da tarde se escapa em cada ocaso
Retornando vibrante na manhã
Soube então,
Que o cheiro a sal das manhãs à beira mar
Não perdura na minha pele
Sei agora, o que então aprendi
Sei agora que nunca me apropriarei
Do toque de liberdade
Preso nas asas soltas de uma ave
Uma ave que observo no seu voo errante e incerto
Uma ave que se mostra no teu sorriso aberto.
Assim é o brilho selvagem, o lume dos teus olhos
Assim é o traço elegante com que te moves
Sei agora e soube então
Que ter-te é não te ter
E se te tiver
Terás partido.

domingo, 29 de março de 2009


Ali, junto a mim me ignoravas
Parecia que o olhar se ia embora
Sem pressas nem vagares, naturalmente
Sem razões para ficar ou para partir
Ali, sentia eu que ficava
Que me prendia a nada ou a tão pouco
Que inventava a razão para ficar
Que construía o meu ponto de partida
Ali, quando sentados, lado a lado
Esperávamos os nossos rumos
Ali, quando encostados no silêncio
Separávamos os nossos planos

terça-feira, 3 de março de 2009



Carta

Mesmo que eu nada seja
Do que pintaste de mim
Que no fundo dos teus olhos
Preveja a angústia do fim
Eu te peço, no entanto,
Que não quebres o encanto
Mesmo que a boca do tempo
Te diga que eu te inventei
Que em quimeras, devaneios,
Fui construindo o que sei
Eu te peço, no entanto,
Que não quebres o encanto
Mesmo que ambos saibamos
Que a ausência e a lonjura
Darão à luz o ciúme
Insegurança, amargura
Eu te peço, no entanto,
Que não quebres o encanto
Não permitas que se esconda
Que se envolva em sensatez
Que o sonho seja vencido,
Dominado pelo medo
De sofreres mais uma vez.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Doce, como doce é o teu olhar
Nos momentos em que esqueces que me olhas
Doce, como doce é o toque dos teus dedos
Distraídos de tocar-me
Doce, como doce é teu riso
Perdido no descontrolo das sensações
Doce, como doce é ficar perto
Tão perto que ao acordar te encontro na minha pele
Doce, como doce é respirar
O aroma das tuas lembranças
Doce, como doce pode ser
O encontro de dois seres que em momentos se completam
Doce, como doces hão-de ser
As lembranças do presente
Doce, doce e forte
O encanto do momento

domingo, 25 de janeiro de 2009


Cruzava o rio sereno e manso
E sereno me sentia, quase esquecido
Deixava o pensamento divagar
Devagar pelas lembranças que escolhi
Procurei-as, entre tantas,
Uma a uma:
_ Esta sim, esta não, também aquela…
E compunha a sua ordem com cuidado
Sorrindo distraído e encantado
Não do que sentia agora,
Mas do que houvera sentido
Seguia em frente, atrás voltava
Com o prazer de quem relembra
Os caminhos percorridos em menino
E, de novo, reconstruía
E mais uma vez lembrava
Convertendo o passado na projecção do futuro

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Nas brumas que envolvem
As lembranças do teu corpo
Sorriem lamparinas de brilho difuso
São gritos que ferem
A linha composta do presente isolado
São gotas vermelhas
Que investem inconvenientes
Na chaga ignorada
São ecos de ti
Escalando muralhas erguidas em mim
E, tocando ao de leve
Na pele que tocaste
Fazem reviver o amor que senti

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Via-te ao longe
Como um ponto que se move no horizonte
Perdido no rumo que traçara
Não sabia se partias ou voltavas.
Cá dentro, a sensação de vazio tolhia-me os movimentos
Não dava um passo em frente, não gritava
Não dirigia o meu olhar ao esquecimento.
Mas, como se em água morna mergulhado,
Tudo o que de ti tenho me envolvia docemente.
Deixava-me ficar assim no passar dos dias,
Pedindo às lembranças e aos planos que fizera
Que me embalassem no silêncio.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008


Ontem
Escrevendo duas linhas de esperança
Num papel já gasto de recados
Entre letras que outros desenharam
Esbatidas pela actual inoportunidade
Esgotadas de sentido do presente.
Entre o ruído que essas frases provocavam
Feita, letra a letra
Desenhando palavra, por palavra
Escrevi a carta que hoje te entreguei
Presa entra as dobras da capa que me abriga.
Deixa que a leitura surja nítida
Tão forte e clara como a quis deixar
Deixa que a escrita te demonstre
O que as palavras ditas
Não souberam transmitir.

sábado, 15 de novembro de 2008

Sabias que ao longe, o tempo passava nas asas das aves?
Sabias que as primeiras estrelas da noite te olhavam curiosas enquanto passeavas no crepúsculo?
Sabias que na linha do horizonte se trocavam segredos sobre nós?
Hoje pergunto a mim mesmo porque não soubemos ler os sinais do universo.
Agora que tudo se tornou límpido como a manhã de verão.
Agora que os segredos foram revelados e o tempo os diluiu no ruído dos dias.
Agora entendemos o que seremos amanhã.
Amanhã, quando a luz do sol despontar vitoriosa pelas frinchas da persiana fechada.
Amanhã, quando acordarmos nos calor dos nossos corpos, recém-chegados da fantasia dos sonhos.
Amanhã, firmes no propósito, e precisos no intento.
Amanhã, ao pronunciarmos titubeantes os rituais necessários,
E quando os nossos passos nos levarem ao oposto.
Amanhã cumpriremos o que o fado nos traçou.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008



Procuro-te
Um dia e outro, e outro ainda
Pressagio-te
Em admirações dormentes de fadiga
Em lentas madrugadas
Desisto de ti
Cansado das rotinas do desejo
Uma e outra vez
E ainda outra e tantas mais
Recomeço
Vigio as horas que passam
E eu no meu fado espero
Alerta
Certo e duvidoso
Eternamente
Atento aos teus sinais.

domingo, 26 de outubro de 2008

Será que a boca escarlate e vibrante do futuro
Se abriu
E deixou escapar a besta que o passado gerou na memória,
Acalentou em longas noites de frémito?
Será que as vagas trouxeram à praia,
Indiferente no seu brilho e luz,
As novas de um mundo moldado em lembranças de guerra e de paz?
Sinto que quando me movo, a cada passo,
A besta me envolve e me namora
Sorrindo em boca sedutora
Tento-me a voltar.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Trouxeste para a ribalta sentimentos
Que julguei estarem esquecidos,
Acabados
Que há tanto tempo se afastaram
Julgo mesmo que nunca houveram existir.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008


Deixas no âmago de mim
O princípio da inquietação
Ferem-me as arestas do discurso que urdimos
Em cortes profundos
Sarados com bálsamos feitos de ternuras.

domingo, 5 de outubro de 2008

Sigo-te pela vereda que se estende interminável
Descobrindo passo a passo reacções
Que o tempo trouxe à flor da pele
Como estranho que sou neste caminho
Reconheço as raízes que me prendem
Em novelos de passados e passagens.
Caminho, no entanto, resoluto
Traço a rota nos passos firmes de quem sabe
Mas nos olhos, esquivos, expectantes,
Fundamentas a surpresa que procuro
No retrato que conservas com cuidado.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Aguardo que a lembrança
Se escoe nos dias entre os dedos do tempo,
Que a areia fina, poalha das vidas vividas em nós
Misture no chão, esquecida entre tantas,
A lembrança do jeito que tinhas de olhar-me.
Aguardo hoje, amanhã, depois
Que as horas que giram em círculos monótonos
Desgastem a imagem no fundo dos meus olhos.
Aguardo implorando em surdos lamentos
Que o passar dos minutos me traga o alívio
Às arestas vivas do golpe que o adeus que dissemos
Marcou no meu peito.

domingo, 28 de setembro de 2008

Na doçura das horas que passaram cálidas
Fomos deixando o sonho galopar livre.

No maciez da curva do teu abraço
Fui-me encontrando enquanto me perdia.

Na ânsia de prolongar um beijo sôfrego
Desarmámos as defesas que havíamos contratado.

No embalo ritmado do teu corpo
Descobri o fado que nos une.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008


Sinto ciúmes de quem vês de manhãzinha
Do olhar que lhes lanças indiferente
Do cumprimento breve que lhes digas
Da impressão que deixas nessa gente.

Invejo os que contigo se cruzam
Os que partilham contigo esse momento
Os que vêem as cores com que te vestes
Os que em ti inspiram pensamentos.

Preciso do ruído dos teus passos
Do mais breve movimento esboçado
Do aroma que se sente quando passas
Do mero ar que já tenhas respirado

Morro se imagino que sorris
Se interesse demonstras por alguém
Se os escutas, se lhes falas, se te tocam
Tenho medo de nada e de ninguém

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

No riscado que o vento teceu no azul
No traço que as asas das aves marcaram a fogo
No contorno das montanhas grávidas de verde musgo
No curva abaulada da nuvem de fumo
No entrançado das cores de um Inverno claro
Na ponta de um lápis errante, indeciso
Encontro a palavra que preenche o encanto
Encontro o sentido para sonhos esquecidos
Lembrados aos brados em rubras explosões
Impostos de novo em rompantes violentos
Aconchegados depois em ternos embalos
Nas pazes que o corpo não fez com a mente
Na lonjura do todo da parte e do nada
Está claro
Aberto
Radiante
Atractivo
O nome que é teu
E é meu agora

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Já não sei ou nunca soube escrever versos
Se é verdade que a paixão gera a poesia
Porque não respondo eu ao que se espera?
Será que mais não sei que escrever fado?
Será que apenas o desgosto me compensa?
Espero que a noite me alumie
Como a todos alumiou antes de mim
Acredito hoje ainda nesse conto
Que de fadas nada sabe, nada tem
Mas o tempo foi criando e convencendo
Outros tantos como eu entontecidos
Convencidos que há fado onde o não há.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008


Escapa-me o verso, mas não o sentir
Depressa uma leve inquietação se torna ansiedade
É a falta de algo, carência de uma substância vital
Dentro de mim lutam sentimentos fortes
Tempestades que se formam num universo mudo
Mas quanto mais o procuro em palavras rebuscadas
Mais me escapa o verso, a expressão do sentir
A angustia de não ser capaz de expressar-te o que sinto
Torna o dia calmo em inquietação nervosa
Evoco de novo palavras conhecidas, sensações antigas
Mas escapa-me o verso
Resta-me o sentir.

sábado, 6 de setembro de 2008

Andávamos ao sabor da brisa leve,
Perfumada e doce
De uma Primavera que teimava em não ser Verão.
Deixávamos embalar-nos
Em palavras de amor
Pronunciadas no entardecer dos dias
Quando o brilho da tarde se esvanece
E a ternura que a tua voz exprime
Amacia a dureza dos nossos dias.
Hoje, viajando pelas lembranças,
Hoje, noto com o sorriso sobranceiro
De quem sabe,
Como fomos acreditando nos enganos
Em que ambos íamos, diaria
E afanosamente construindo
Conscientes do erro que cometíamos
Mas cuidando sempre que seríamos únicos,
Os primeiros que,
De forma admirável mudaríamos a ilusão
Para a realidade.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008


Somente hoje concluí
Que tão pouco sei de ti
E como não sei, invento
Vou construindo, tecendo
Uma imagem definida
Escolho as cores,
Os fios, a trama
Quase que ouço o ruído
Do tear que utilizo,
Com que teço a minha teia
Onde me perco e me encontro
Trabalhando dia e noite
A inventar-te e a sonhar
Pouco a pouco sei de ti
Aquilo que nunca vi
Nunca ouvi, não me disseste
E nas conversas que temos
Em silêncios que mantenho
Vou procurando sentidos
Para o sentir sem sentido
Sou feliz e entristeço
Estou em paz, em fúria, em guerra
É madrugada, manhã
Entardecer, noite escura
E em longos devaneios
Invento, construo, encho
Torno real e palpável
Isto que sinto por ti.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Acordava no vazio que deixaste
Levemente angustiado pelo silêncio
Repensando o que serei no novo dia
Recriando os sentidos do real
Hoje serei homem livre em campo aberto
Exemplo para quem comigo se cruzar
Mostrarei ao meu pequeno mundo
Aquilo que a mim mesmo vou negando.

domingo, 31 de agosto de 2008


Misturam-se os sonhos na madrugada
Prenhe de decisões firmes.
Explodem como gritos garridos na aurora incipiente,
Cruzam os rumos da fantasia palpável
De décadas construída
Sobre alicerces fundos de vivências feitos.
Como o ar que sôfrego procura o naufrago,
Como a luz que julga distinguir-se na vereda escura,
Como a ânsia da resposta que já soubemos,
Procuro entrançar em trabalho perfeito
Habilidoso, artístico
As linhas rosadas que contornam os sonhos
Com as outras, rubras, radiantes
Que mantêm os limites da fantasia.
Nessa trança espero seguir o meu caminho
Arrumar em jeito comum, mas exemplar
Como aqueles que de orgulho
Enchem os olhos dos seus pares
A harmonia do desencontro em que me fiz.

sábado, 30 de agosto de 2008

Quero que voltes
Não como és
Mas como eras
Como parecias
Como te inventei
Como te pintei
Em pinceladas firmes
De cores suaves
Ao gosto do pintor.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008


Passam rajadas frias, fustigantes
No tempo que urge e ruge
Em cavalgada insana
Farrapos de lembranças do que fomos
Do que fizemos e dissemos
Um ao outro
Mas, como se a catadupa
Besta cega fosse
Que traga vorazmente e com volúpia
Os momentos que a tormenta acalmariam,
A cega besta antes mostra, ilumina,
Evidencia, valoriza
O que ao seu manto se prende
E ali perdura
Os momentos em que o nós foi odiado
Em que amor ardente alternou com raiva e desencanto
Forçados pela força do primeiro
Frios ficamos, tiritantes
Esquecidos de um abraço de conforto
Firmados, pés na terra, enfrentamos
As rajadas que agressoras
Nos deixam no olhar a despedida incómoda.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Procuro no correr das horas
Um verso
Um único verso
Que evoque aquele ponto de luz
Que cintila no teu olhar.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Agora que se equilibram os brilhos
Que os olhos derramam nas curvas do sonho
Agora que se traçam os planos
Os rumos mil vezes traçados em noites longas de visões ternas
Agora que se aplacam os sentidos
No calor gerado no escuro da noite
Agora que o tempo não conta
Não carrega em si a urgência da resposta
Agora que se cruzam os portais do desejado em vidas passadas
Agora que tudo parece criar acalmia, adoçar o carinho
Por que me inquieto eu?
Porque desperto eu nas curtas noites de sonhos pesados?
Porque perco o olhar em horizontes distantes de desconhecido feitos?
Porque me amedronta o encanto que sinto?
Porque volto e uma e outra vez atrás,
Em visitas breves, mas frequentes,
Às angustias da casa que abandonaste?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Apenas sei que corria,
Voava, sei lá!
Pensamento amarrado,
Olhos fixos no ponto médio das ilhargas da estrada que fugiam,
Um descontar de tempo e distância,
Uma urgência de chegar.

E se assim era agora,
Logo assim seria
Num tempo que parecia repetir-se
E não teria fim
Porque se renovava hora a hora, dia a dia.

O vazio do caminho
Explodia na violência da chegada
Produzia a urgência
Acordava os sentidos
Trazia-me à vida.

domingo, 24 de agosto de 2008

Colhi da água do teu olhar
Dos tons calmos da tua voz
Da expressão serena do teu rosto
Do movimento tenso do teu corpo
A razão dos meus dias de sol

De repente o sorriso ilumina o caminho que percorro devagar
Ofereço gestos de ternura às margens deste rio
Acompanho com paixão o rumo de uma pluma
Percebo que o mundo é agora a cores

Adormeço depois em braços cálidos
Sou menino que murmura em corpo adulto
Mato as saudades de ser eu
Cresce um dia mais a alma errante.

sábado, 23 de agosto de 2008


Partias devagar, tão de mansinho
Que nem mesmo tu percebeste que partias.
Cegos na ilusão de ser possível,
Dormentes na seda dos dias calmos,
Apaziguados no receio de estarmos sós,
Deslizámos cada um no seu destino.

Não soubemos onde e quando,
Que leve brisa, ruído breve
O provocou.
Foi o despertar inquieto em cama fria
Sozinhos na angustia de quem parte
Que nos trouxe
A consciência de teres partido.

Enlaçados
Como se enlaçam as ondas entre a espuma branca que se esbate na praia queimada pelo sol,
Enlaçados
Como se enlaçam as nuvens no céu distante da tarde eléctrica,
Enlaçados
Como se enlaçam os dedos na mão da mãe a caminho do primeiro dia de escola,
Enlaçados
Como se enlaçam os pensamentos que se sucedem numa cadeia helicoidal,
Enlaçados
Como enlaçadas nascem as folhas tenras dos rebentos que o vento agita no primeiro dia de primavera,
Enlaçados
Como se enlaçam os caminhos que o destino traça nas novelas de cordel,
Enlaçados
Como se enlaçam os traços que o artista imprime numa tela na ânsia de querer perdurar,
Enlaçados
Como se enlaçam as lembranças que convivem no fundo da memória inflamada de um moribundo,
Enlaçados
Como se enlaçam os sonhos comuns de vivermos e morrermos assim,
Enlaçados.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Quero ser o teu menino
Embalado nos teus braços
Refugiar-me em teu corpo
No calor do teu carinho
Na voz do teu canto terno
Protegido em teu olhar
Quero dormir no teu colo
Afagado em tua mão
Aceitar um beijo casto
Que deixas à flor da pele
E mais do que ouvir, sentir
As palavras que murmuras
Jurando que me queres bem.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Como um cavalo no prado
Corre o sonho à desfilada
Voa, salta rochedos na praia
Sobe ao céu, desce ao inferno
Nasce e morre cada dia
Marca o rumo à fantasia
Consome-se em labareda
Cristal de gelo ao luar
É navio que vagueia
Avança por entre a bruma
Alumia a noite escura
É violência, ternura
É como folha à deriva
Enfunada pelo vento
Bailando, fútil donzela
Detém-se aqui e ali
Cresce, vive inconsequente
Na liberdade da mente.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Será que é possível
Podermos viciar-nos
Na magia que resulta
Das palavras murmuradas
No mais secreto da noite
Por um qualquer feiticeiro?

Será que é possível
Nascer o vício em nós
Da ausência dos sentidos
Que nos ligam e separam
Da antecipação gerada
Nos segredos que revelamos
Em noites perturbadas pelo ciúme?

Será que é possível
Sustentar o vício insidioso
De uma intimidade que avança e trava
Ao sabor de vontades perturbadas
Pela violência de emoções
Marcadas pelo ferro abrasador
Da culpa que sentimos?

Adiamos para amanhã a resposta que ontem deveríamos ter achado
Sustentamos o não sei de todos os dias.

quinta-feira, 5 de junho de 2008


Vendi a minha alma vendida.
Mas, como seria esperado,
Não me sinto perdido
E não faria sentido
Que outro negócio fizesse.
Estava escrito no destino
E disso já não duvido
Aliás, só faz sentido.
Almas perdidas condizem,
Todos sabem, é dos livros,
Com destinos nos astros traçados.

Assim, de alma perdida enfrento
Mil faces do dia-a-dia
Com mil capas de ocultar
E mil artes de enganar
Vou escondendo a sua falta.
Mas o sorriso, esse sim
É genuíno, sincero
Porque sorrio a mim mesmo
Pensando alegremente
Que mesmo estando vendida
A vendia novamente.

quarta-feira, 4 de junho de 2008


Ontem, por entre o movimento
Senti o teu olhar que me fixava
Desatento ao teu sinal, atento estava
Ao peso e à importância do momento

Abafado por quem passa indiferente
O silêncio que se torna já vulgar
Empresta um dramatismo ao teu olhar
Que incomoda a harmonia aparente

E por trás dos sorrisos fáceis, frequentes
Bem escondidos no quotidiano agitado
Desta vida em percurso regular

Ambos nos perguntamos insistentes
Quando, onde deixámos abandonado
O íman que atraía o nosso olhar.

domingo, 18 de maio de 2008

Caminho pela areia branca,
Plana e infindável
Afasto de mim os ecos de rotinas conhecidas
Limpo o pensamento das imagens deprimentes do dia-a-dia
Caminho
Marchando pela relva fresca
Semeada de flores silvestres de um campo tranquilo
Expulso de mim a monotonia
Os silêncios que oprimem
Aqui
Enquanto sigo pela sombra verde da floresta
Descubro a liberdade de ser eu
Sem culpas
Sem restrições
Sem respeito pelo outro
Sem amarras
Apenas livre.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Procuro na luz da manha
O sentido para o sorriso vago
Que se prendeu nos meus lábios
Procuro no passar das horas
No sol que repete o caminho
A culpa de estar distraído
Procuro na tarde calma
No calor do dia
Causas para o meu olhar inquieto
Procuro na forma da lua cheia
Na noite fresca
A razão desta alegria de existir
Procuro nos sons da madrugada
No brilho da última estrela
Respostas para a leve angustia e a vigília
E encontro nos sinais do tempo
Repetida e insistente
A evocação do teu nome

domingo, 11 de maio de 2008


Seguíamos de mãos dadas nos trilhos da fantasia
Em fuga da realidade tão crua como a luz desta manhã
E no calor de um sonho terno
Deixámos descansar a mente no abraço dos nossos próprios corpos.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

De repente,
Percebi
O que faz mover o mundo.
Não é a guerra ou a paz,
A fortuna,
A sorte, azar.
Não é a ciência exacta,
A política,
O poder.
Não é o peso da história,
O rumo da humanidade.
Nem o canto dos poetas,
A arte de Miguel Ângelo.

De repente,
Como o voo breve de uma ave
Cruzado no nosso olhar.
Como a simplicidade
Do acto de respirar,
O mistério se aclarou.
E a razão,
A verdadeira,
Ganha sentido,
Estou certo,
Na forma delicada
De um sorriso como o teu.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Reflecte-se na água a luz ardente
Do Sol em miríade cintilando
E com afagos mansos vai morrendo
Na areia morna, cama quente

Aos meus lábios afloram melodias
Que já esvoaçam à volta desprendidas
Em farrapos de lembranças esquecidas
Pela vivência sucessiva dos meus dias

Erguem-se os odores da maresia
O sal, o azul, a espuma breve
Vagueando à toa pela areia

Vou sentindo o fogo que se esfria
O morrer da tarde, a brisa leve
No encanto do momento que volteia

terça-feira, 6 de maio de 2008

Por entre vozes alheias, estridentes
Fitando pontos para lá da transparência
Voltámos a nós
Como quem retorna à ilha mãe.

Reconhecemos ecos de outras noites
Encontrámos partículas de sentido
Fizemos soltar o verbo
Tragámos os nossos pequenos medos

E calmamente,
Entre a doçura dos olhares
Fomos embalando o tempo
Seguindo os pequenos silêncios
Perdendo-nos nos encontros do que somos.

segunda-feira, 5 de maio de 2008


A rotina, a pressa
O movimento incessante do dia-a-dia
Afastam-me de ti.
Quando à noite, o silêncio me chama à razão
Procuro na lembrança dos teus olhos
Inspiração para a harmonia do verso.
É então que a tua presença
Mais marca a minha existência
A exaltação da paixão
Reflecte-se no brilho de cada estrela.
Escrevo todas as palavras que te não digo
E, nelas, vou encontrando a matéria
Com que construo um castelo
Bem no alto da colina da minha imaginação.
Aí guardaremos, em arcas antigas
Todo o sentido daquilo que calamos
Quando os outros nos afastam
E a paixão parece dormir.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Na tua pele
Encontro frescura de seda, macio veludo
Descubro o calor do fogo, gotas de água fresca
No teu corpo
Se misturam mil perfumes de rosa, jasmim e almíscar
Sinto aromas que evocam lembranças antigas
Os cheiros exóticos de terras longínquas, odores de frutas maduras
Sigo cada curva do teu ser
Em ti vejo a linha do horizonte, o pôr-do-sol, o mar azul
No brilho do teu cabelo descubro os reflexos da lua nova
E como se emboscado mirasse ao longe a presa que avança,
Semicerro os olhos para fitar o mais fundo dos teus
Na palma da tua mão provo o teu sal num beijo quente
Nos teus lábios experimento mil paladares, especiarias raras
O teu sabor forte, acidez de limão, laranja doce
E chega aos meus ouvidos
A música das palavras que usas para me encantares
Os sons da tua existência, testemunhos que és real
E até o som ténue do abraço que trocamos
Provoca em mim a dependência
O vício de ti

terça-feira, 29 de abril de 2008

Traça-se no limbo do tempo,
Na fórmula mágica do espaço profundo,
No limite do encontro entre a sombra e a luz,
Entre o mal e o bem,
Entre o amor e ódio,
A força do teu impacto,
A violência do vento que varre os sentidos à tua passagem.
Surge em rompante,
Encarnado e troante.
Num gesto se acalma,
Aninha, adormece
No embalo doce do riso transparente que os teus olhos imprimem.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Naufrágio


Se o no teu corpo naufragasse
E nas ondas do teu cabelo
Lutasse
Pela luz do teu olhar
O teu sorriso farol
Porto de abrigo
Consolo

Se o teu gesto me ensinasse
O rumo do teu encontro
E os meus dedos desenhassem
O mapa da tua pele
Se em teu peito descansasse
Como na cama de areia
Da morna praia envolvente
Onde náufrago
Me acolhesse

Se ao adormecer sentisse
A rota dos dois destinos
Traçados num desencontro
Encontrado num momento
Fugaz, intenso, sentido
Furtado da realidade
Numa urgência de quem quer
E não querendo se incendeia
Em que as palavras se esgotam
Nos sentidos sem sentido

Se dessa água provasse
Se nesse sal me envolvesse
Cumprir-se-ia o destino
Que há tanto tempo traçámos
Na intimidade do nada.

sábado, 26 de abril de 2008


Dá-me no canto do cisne
A esperança de ter no ponto final
Da negra linha de asfalto
O código de um destino por destinar
Que farei meu no centro de um universo qualquer.
Dá-me no medo que nos enrouquece as vozes ainda quentes
Da pronúncia de uma estreia de outro nós
O mapa que encerra caminhos por rasgar
Trazidos de um futuro despojado de conceitos nossos.
Dá-me no gesto impaciente
De quem espera libertar-se em breve instante
A peça que me falta na engrenagem
A pista que me leva ao x do mapa
O caminho que me faça compreender
Que já não tenho medo de estar só.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Chegavam em bandos de emoções
Os sentidos a explodir em mil paixões
Traziam as mãos cheias da pressa do olhar
Multidões de volúpias inquietas
Mostravam entre pétalas os frutos do prazer
Envergavam as cores de madrugadas numerosas
Arrastando pelo chão o que de mim sabiam
Crentes que o mundo me esquecera
No rodopio das águas que se escapam
Entre as mil peças que contei no meu destino.

quinta-feira, 24 de abril de 2008


Trouxeste no gesto o desenho límpido,
a ideia clara;
Trouxeste na voz o entardecer sereno,
o embalo terno;
Trouxeste nos lábios a expressão de espaços e tempos,
Sonhos, fantasias;
E trouxeste nos olhos a razão do momento,
a corrente que sustenta o limiar do fascínio,
o encanto,
a magia…
E como se um comando divino houvesse,
nas palavras fomos lendo o futuro de nós dois,
traçando rumos, construindo o mapa,
abrigando a semente que lançámos.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Sinto a tua falta quando me acorda a luz da manha.
Estendo o meu corpo no vazio da procura.
Naquele momento,
Valendo-se da fraqueza lânguida da mente que desperta,
Ataca impiedoso o fantasma do ciúme.
Inseguro na essência, firme no propósito,
Ensaio o quotidiano vade retrum.


Encontro finalmente o equilíbrio
Nos indícios de que existes encontrei.
Numa palavra que escreveste e me conforta,
Na recordação do timbre alegre do teu riso.
E até a saudade híbrida e improvável do teu corpo,
Me erguem o braço que segura,
Com renovado vigor,
A pesada Cruz do exorcismo.

Você abusou...


Reflicto nas palavras do poeta.
Retornadas ao pensamento muitas vezes.
Ouço até a voz pausada de quem canta
E acompanho, trauteando os seus versos.
Eu também, como tu, não sei fazer
Poemas que de amor não seja o tema.
Se ridículo sou, já não me importa
È coisa minha, como há outro que assim canta.
E se os intelectos dos artistas, dos que sabem,
Não se revêem nos meus versos,
Eu também direi que abusas.
Abusaste do espaço que ocupaste nos meus dias,
Tiraste partido do tanto que te quero.
E eu aqui, instigado pela violência e abuso
Do sentimento que me inspiras,
Eu, como o poeta, insisto em ti
Que és o meu tema.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Em ondas trocadas de um mar sereno
Alisamos revoltas surgidas do vento
Herdadas de dias de sol silenciosos
De pazes compostas em brumas matinais
Voando em curvas sinuosas
Evitando os sonhos desfeitos, esfarrapados
Torneando frios cantos de arrependimento feitos
Miramos ainda do alto das nuvens o que já esquecemos
Inconscientes de que havemos de voltar em tempos passados
Bebemos o fel do presente
Julgando sorrir de tempos futuros
Havemos de unir os extremos de linhas perdidas
De caminhos esquecidos
Páginas de livros que ficaram por ler
Havemos de erguer torres inventadas
Na angustia criada em dias dormentes
Com hábitos trazidos da ponta dos dedos
Na fogueira suave de quem nunca amou.